segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Meu lugar, meu dever.

Eu espero ele chegar todo dia. A mesa está posta e as crianças já estão dormindo para não fazer barulho. Ele não gosta de ser interrompido no jantar. Eu também não posso falar com ele. Sabe como é, tenho que ter muito respeito pelo meu homem.
A casa tem que estar com um cheiro muito bom, um aroma de flores do campo. Ele gosta tanto... Às vezes as crianças têm um pouco de alergia, mas nem dá tempo para prejudicá-las, pois logo as ponho no quarto para dormir. Elas me perguntam por que eu e ele não conversamos muito. Para ela, eu respondo que um dia ela saberá, e que vai me entender. E para ele, digo que um dia fará o mesmo com sua mulher, e que ela terá que entendê-lo.
Pobre homem o meu, trabalha tanto para nos dar esse conforto. É pouco, mas basta. Penso que não retribuo como eu deveria. Nunca estou tão bonita como as mulheres das revistas que ele guarda embaixo da cama. Ele pensa que eu não vejo seu sofrimento por não ter uma mulher tão bonita quanto aquelas. Às vezes penso que ele é muito para mim. E eu, tão surrada, tão feia, velha... Já não faço questão de me olhar no espelho. Ele também não faz mais questão de me olhar.
Eu fecho as cortinas nos fins de tarde para o sol não entrar. Ele detesta sentir calor e é intolerante quanto a isso. A luz incomoda seus olhos quando ele vai ler o jornal. Eu faço uma massagem em suas costas, sabendo que quando ele pedir para que eu pare, é porque estou sendo inconveniente.
Já estou acostumada, o dia inteiro é assim. Esperar por ele. E quando ele chega, tenho que estar como ele quiser, para ele.
Me sinto culpada quando penso em ter um tempo para mim... Eu deveria estar e ser cem por cento para meu marido, eu faço isso. Mas meu pensamento não é cem por cento nele, e isso é errado.
Um dia, – escute bem, pois minha vergonha é tanta que só falarei uma vez – eu acabei desobedecendo-o e ele acabou se irritando comigo. Disse que eu não fazia nada direito, e que já não servia mais para nada. Que nem à noite eu o satisfazia. Que eu já não tinha mais toda aquela disposição igual a que eu tinha com vinte anos, no nosso casamento. Eu me senti tão humilhada, tão injustiçada e me senti tão mal, que eu retruquei, já me arrependendo. Eu respondi para o meu homem, com total falta de educação. Ele não merecia isso, e eu não tinha o direito de deixar aquelas palavras saírem de minha boca. Mesmo assim, a briga foi feia. Não quis mais tolerar. Disse a ele que ia embora, para nunca mais voltar. Deixei as crianças com ele, pois delas eu não poderia cuidar sozinha. E eu fui.
Fiquei na casa de uma amiga que morava sozinha em um apartamento no centro. Foi o suficiente para que toda a vizinhança e parte da cidade soubesse de nosso conflito, e também para que eu ficasse mal falada. Uma mulher, casada, morando sozinha com uma solteirona em um apartamento. Quantas coisas não se podia fazer por lá?
Eu tentava ocupar meu tempo, que agora era livre, fazendo outras coisas. Lia, arrumava o apartamento de Lígia, passeava pelo parque. Mas nada disso adiantava. Parecia que havia um espaço enorme vazio em mim. Eu precisava fazer alguma coisa para mim, por mim. Mas eu nem sabia como começar.
Fui ao salão de beleza, mas lá, as conversas das moças eram todas sobre o mesmo assunto... Homens, filhos, empregadas... E falando em filhos, fazia tempo que eu não via os meus. Volta e meia eles apareciam lá na casa de Lígia, e eu dizia para que esperassem, que as coisas iam se aprumar.
Nada adiantava. Eu passava todo o meu grande tempo livre procurando algo que me fizesse feliz, algo que fizesse eu parar de roer unhas, que parasse com essa minha compulsão por servir os outros, de querer o bem estar dos outros antes do meu bem estar. Parecia que eu estava em uma guerra comigo mesma. Meu corpo cansado contra minha alma nova, que não viveu nada de prazeroso até agora.
Grande parte desse tempo livre eu pensava nele. A maioria do tempo era assim. Era a imagem dele que eu via pelos meus olhos, e algumas vezes eu fui até a janela por pensar escutar a voz dele lá embaixo. E se ele não me quisesse mais? E se ele não estivesse sentindo nenhuma falta de mim? E se eu nunca mais pudesse me acalmar satisfazendo ele e servindo ele como ele deveria ser servido?
Foi nessa última pergunta que eu encontrei o meu lugar. Toda essa aflição que eu sentia tinha apenas uma solução: voltar para ele. Assim eu me acalmaria. Fazer para ele o que ele quer, é minha paz.
Então, despedi-me de Lígia, seu apartamento também estava ficando pequeno para nós duas. Eu já estava prejudicando suas visitas de solteira. Agradeci por esse tempo todo, e ela disse que eu poderia voltar sempre que precisasse.
“Sabe, Rosana, têm algumas mulheres que nasceram com defeitos, nasceram diferentes. Mulheres servem para seus homens, mulheres devem achar seus homens. Há aquelas que não acham... Eu sou uma delas. Sou de todos eles, e eles são todos meus. Não há nenhum que me queira. Eu não me importo, pois não sou mulher para isso. Eu sou uma daquelas exceções. Você é a regra. Você nasceu para ter um homem. O seu homem. E você tem. Vá e faça o que você tem que fazer.”
Eu fui embora. Lígia estava certa. Não consigo entender muito bem como é sua vida de solteira, e porque ela quis assim. Vai ver foi o que a vida deu para ela. Pobre Lígia.
Voltei para o meu homem. Quando cheguei em casa uma moça jovem, ruiva de cabelos cacheados, muito branca e muito bela estava saindo. Poderia imaginar que ele não tivesse ficado sozinho esse tempo todo. É o que os homens fazem quando estão sozinhos. Eles não nasceram para ficar sozinhos, embora às vezes estejam. Mas eles sempre têm uma mulher para se consolar, por mais que a escondam do mundo. Essa mulher escondida, é que dá força para este imponente homem aparecer. E vai ser sempre assim. A mulher dá força sem que ninguém a veja, e o homem mostra essa força para que todos vejam.

Nenhum comentário: