quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Oito anos depois











São Leopoldo, 18 de Novembro de 2009.



Para a Família Gusmão Britto


Nós pensamos que esse tempo nunca ia chegar. Entramos lá com a expectativa de uma infância feliz e produtiva em uma escola perfeita. Mentira, a única expectativa que tem uma criança ao entrar na escola é de saber se o escorregador da pracinha é o mais alto, se as professoras são chatas ou legais, se os colegas gostam das mesmas brincadeiras e esperam usar o caderno novo.

Fomos crescendo lá dentro, alguns com mais sorte e outros com menos, creio que os alunos que tiveram o prazer de ter aula com a Tia Adrianinha deram mais sorte, eu fui um deles, sem querer desmerecer os outros professores. Estamos lá desde a época em que pintávamos ovos de páscoa em folhas de papel, desde as simples contas de adição que na época pareciam um bicho de sete cabeças até as equações de segundo grau, estamos lá desde que nossas mães entravam conosco no colégio e diziam “Vai filhota. Boa aula.” até elas mandarem a gente sair de casa e ir pra escola e da escola pra casa, desde os trabalhos escolares e desenhos livres até os boletins cheios de notas mais ou menos. Fomos de lá, ficamos lá, estamos lá, mas não estaremos mais.

Logo que entramos, fizemos amigos dos quais levaremos pro resto de nossa vida, amigos colegas, amigos professores...

A medida que fomos evoluindo e deixando a pracinha, os desenhos livres e as “Tias” queridas, vimos também que nem tudo é tão perfeito assim... Acabamos nos deparando com algumas festas de Halloween interrompidas por palestras de história fora de hora (antes de um querido pai ir ao colégio reclamar da festa de Halloween), nos deparando com pescarias frustrantes em que em vez de pescar o peixe, colocávamos um balde em uma janela onde alcançavam-nos os brindes... Algumas dessas coisas nos decepcionaram, direção. Esperamos que melhorem, viu?

Os alunos do Gusmão viviam fazendo reclamações constantes a partir de mais ou menos a quinta série. Reclamações diferentes, diversas. Cada um com uma opinião. Se tinha alguma reclamação em comum, esta era sobre o uniforme (sem querer dizer nada, essa carinha amarela poderia ser mudada, não é mesmo?). Alguns reclamavam sobre provas de mais, uns provas de menos, outros redações de mais, outros redações de menos, leituras de mais, leituras de menos. As tias do refeitório, algumas delas, em especial, tão queridas, já foram obrigadas a escutar várias reclamações de suas comidas preparadas com tanta dedicação, já foram obrigadas a ver essas tais comidas sendo atiradas de um lado para o outro do refeitório e logo em seguida supervisoras passavam de sala em sala dando um enorme sermão pelo desperdício de alimento.

A partir da quinta série até a oitava, durante esses quatro anos contávamos os dias que faltariam para sairmos daquela prisão feliz. Nós queríamos era colocar uma carinha chorando intensamente em vez daquele cinismo amarelo estampado em nossas roupas. E as coisas foram aumentando, mais provas, mais trabalhos, menos festas (as de Halloween já haviam sido extintas há muito tempo), mais brinquedos infláveis, mais pracinhas, mais teatros infantis. Oh não! O Gusmão estava virado em uma escola para crianças. Teoricamente, o Gusmão sempre havia sido uma escola para crianças... Até a quarta série nós até que gostávamos, até que agüentávamos, até que suportávamos. E cada vez mais foram entrando mais crianças. Mais crianças e mais crianças. E nós fomos envelhecendo no meio daquela creche. Pequenas pessoas de um metro e vinte de altura correndo para cá e para lá, pulando elástico, pulando corda, batendo uns nos outros... Só nos restava sentar e chorar. Chorar por um colégio de gente decente, meu Deus! As meninas pedindo meninos mais velhos e os meninos pedindo as gurias bonitas dos outros colégios!

Sem notar, nós, os velhacos do Gusmão, fomos nos unindo e ganhando força para agüentar a piasada e tornar aquele colégio um lugar melhor, um lugar com a nossa cara, que não é amarela nem nada. Nos tornamos praticamente um só em busca de um uniforme melhor, de aulas melhores, de recreios mais longos, de palestras, de projetos culturais e esportes.

Rimos muito, conversamos muito, atrapalhamos muitas aulas, colamos em muitas provas (muitas mesmo, viu?), inventamos desculpas para aumentar o prazo de entrega de trabalhos, brigamos, empurramos pessoas, fizemos amigos, desfizemos amigos, fizemos inimigos, continuamos com inimigos. Tudo isso para conseguir sobreviver a estes oito anos ilesos. E cá estamos, no ultimo ano de Gusmão, com saudades de algumas pessoas que já saíram mas nos ajudaram a sobreviver lá dentro. Estamos nos dois últimos meses, galera!

E já ta batendo aquela saudade do que ainda não passou, mas que sabemos que vai passar.

E apesar, apesar de todos os contras, vamos levar com a gente o maior pró de todos: A Família Gusmão Britto. E ela existe mesmo. E é impressionante, como uma família comum... Não escolhemos, ganhamos e aprendemos a gostar, mesmo com todas as dificuldades e defeitos.

E por termos agüentado todos esses anos e estar conseguindo sair de lá com um sorriso no rosto eu posso dizer e afirmo: Eu amo o Gusmão Britto e vai deixar saudade!

E vocês, que continuarão estudando nessa escola pelos próximos anos: Odeiem, xinguem, julguem, briguem pelos seus direitos, cumpram seus deverem, matem aulas, vão as aulas, colem, estudem, não façam temas, façam temas, comam as merendas das tias do refeitório, não levem desaforo para casa da Tia da Limpeza do segundo andar, levem alguns desaforos para casa, respeitem os professores, acima de tudo, discutam quando tiverem razão mas não percam a educação, fiquem com os coleguinhas no banheiro (fui, pegar gente do Gusmão é brabo), mas não esqueçam e escutem os ex-gusmolinos: passa muito, muito rápido. E deixa muita saudade. E só aí que vocês percebem que querendo ou não esse colégio faz parte da sua história.

Queria citar alguns professores que marcaram positivamente as aulas daquele colégio (pelo menos pra mim):


Tia Adrianinha – Com toda a paciência e carinho para cuidar de alunos da primeira série.


Professora Marlene – Tem algumas pessoas que encontramos e nos identificamos de cara, sem nem saber o por quê.


Professor Josiel – Os professores podem fazer uma aula ser interessante, ou não. Ser engraçada, ou não. E com toda certeza, ele fez.


Professora Mara – Sempre escutou e tentou resolver os problemas dos alunos. Muito querida.


Professora Luciane – É difícil fazer alguém (pelo menos eu) entender matemática. Ela consegue. E ainda por cima, se desdobra em 140 para atender o problema de cada aluno (mesmo quando é pessoal.)


Professora Cátia – Mesmo com a implicância e o poder de me irritar, sempre tenta fazer as coisas darem certo para os alunos e tenta promover atividades diferentes.


Professora Janaína – É incrível como alguém consegue movimentar (literalmente) quatro turmas e fazer com que essas quatro turmas caiam de cabeça para fazer alguma coisa. Ela fez todo mundo dançar.


Professora Jeanne – Obrigada por não deixar só no desenho livre novamente... Nos solicitava trabalhos criativos e legais de fazer, dava valor para quem realmente se esforçava e gostava de desenhar.


Professora Juliana – Querida, compreensiva, conselheira. É tão fácil e interessante entender história quando se tem uma pessoa como essa para aprender. Ela nunca vai negar responder nada para ninguém.


Professora Juraci – Explica muito bem português. É calma e paciente com os alunos, e ao mesmo tempo tem autoridade e respeito. É outra que nunca te negará uma resposta, nem que seja para responder o que é verbo.


Tio Fábio – Por todas as vezes que ficou com nossos trabalhos atrasados, fez curativos na gente, nos emprestou o som, por nunca nos negar alguma informação e sempre nos atender de bom humor e sorrindo.


Professora Aline – Animação igual a dela na Gincana não existe. E com toda rigidez, ainda consegue ter o carinho dos alunos e exigir muito dos nossos trabalhos e ajudar a formar o que um dia nós vamos ser e vamos precisar.


Professor João – Que mesmo não estando lá há muito tempo, fala de história do jeito que se deve falar da história: contando-a. Os trabalhos que ele solicita são muito bons e legais de fazer.


Gostaria também de deixar um abraço a todos os funcionários, desde as tias da limpeza, as tias do refeitório, as tias da cantina, os secretários, as tias da biblioteca, os porteiros e aos professores que ensinaram o que eu sei hoje, porque mesmo conversando de mais nas aulas, eu reconheço que sem os professores, ninguém seria alguém.

Peço desculpa por qualquer coisa que eu tenha feito ou não tenha feito.

É difícil lembrar de um aluno no meio de tantos, mas saibam que nós alunos vamos lembrar de vocês e o que fizeram pela gente. O que eu aprendi nessa escola ajudou a construir boa parte do que eu sou hoje e do que eu vou ser. Ajudou a construir todos os alunos.

Até algum dia!

Um abraço, já com saudades,

Ana Clara Schneider Marques - Oitava Série – 2009

2002 - 2009

Um comentário:

Nicolau disse...

Lindo demais esse texto, Ana. Muito emocionante de ler. É realmente um sentimento inexplicável aquele que temos quando nos separamos da "família do ensino fundamental", afinal de contas é uma parte da nossa vida que passamos ao lado de colegas, amigos e professores que vão ser lembrados para sempre, com toda a certeza. Aliás, é meu primeiro comentário aqui, e eu queria dizer que tu escreve muito bem! Tu tem um grande talento e vai longe, muito longe. :)
BeijO